Neste
15 de abril, Dia Nacional de Conservação do Solo, o Brasil tem pouco a celebrar
e compromissos a cumprir
Amazônia
e Cerrado são os biomas que mais perderam florestas. Foto: Christian
Braga/Greenpeace
Da
Agência Brasil*
Neste
15 de abril – Dia Nacional de Conservação do Solo – o Brasil tem pouco a
celebrar, já que não avançou no compromisso assumido internacionalmente de
recuperar 12 milhões de hectares de vegetação nativa. Dados da plataforma do
Observatório da Restauração e do Reflorestamento apontam que o país possui hoje
pouco mais de 79 mil hectares da sua cobertura vegetal original recuperada.
Isso significa que menos de 1% da meta foi atingida.
Somado
a isso, nos últimos anos o desmatamento e a degradação avançaram sobre os
biomas brasileiros. De acordo com levantamento da MapBiomas, entre os anos de
2019 e 2022, o Brasil perdeu 9,6 milhões de hectares de vegetação nativa.
Segundo
a diretora do Departamento de Florestas do Ministério do Meio Ambiente e
Mudança do Clima (MMA), Fabíola Zerbini, esse cenário fez com que desde janeiro
de 2023 o governo iniciasse uma revisão das metas e políticas públicas para o
setor, não apenas para que o Brasil possa cumprir com os acordos firmados para
conter os avanços da crise climática, mas principalmente para que as
propriedades rurais privadas e o próprio Estado fiquem regulares em relação à
legislação ambiental.
“O
horizonte de passivo do Código Florestal – somando área privada e pública –
está em torno de 25 milhões de hectares de vegetação nativa que precisa ser
recuperada. A gente entende que desses 25 [milhões], aproximadamente nove podem
ser compensados, ou seja, o produtor decide que vai proteger uma área que está
conservada, e a gente vai recuperar algo em torno de 14 milhões, que é a meta
atualizada, mas lembrando que a oficial é pelo menos 12 milhões de hectares,”
disse Fabíola.
Histórico
Há
um entendimento global de que para a crise climática não avançar é necessário
reduzir a emissão dos gases de efeito estufa e também capturar o que já foi
lançado na atmosfera. Uma das principais estratégias globais para que isso
ocorra é a recomposição da cobertura verde do planeta por meio da recuperação
das vegetações nativas.
Um
estudo coordenado pelo Instituto Internacional para Sustentabilidade, que
reuniu pesquisadores de 12 países e foi publicado na revista científica Nature
em 2020, revelou que a recomposição de apenas 15% de vegetações nativas do
planeta seria capaz de sequestrar 14% de todas as emissões de gás carbônico lançadas
na atmosfera desde a revolução industrial.
A
capacidade de contribuição dessa estratégia para diminuir os impactos da crise
climática se mostrou tão eficaz que a Organização das Nações Unidas (ONU)
definiu os dez anos seguintes à pesquisa como a Década para a Restauração de
Ecossistemas.
No
Brasil, antes mesmo disso, uma legislação ambiental robusta não apenas protege
os biomas por meio de cotas de preservação, como também determina quando é
obrigatório compensar áreas impactadas pela ação humana, ou seja, reflorestar
áreas degradadas ou desmatadas além dos limites. Os chamados passivos
ambientais podem ser gerados por propriedades privadas, quando os limites de
conservação não são respeitados, ou em áreas públicas atingidas por queimadas
ou ocupadas por atividades ilegais.
As
cotas são previstas no Código Florestal, criado em 2012. Em 2015 e 2016, o
Brasil aderiu a três acordos globais: o Acordo de Paris, o Desafio de Bonn e a
Iniciativa 20×20, nos quais assumiu o compromisso de recompor 12 milhões de
hectares de sua cobertura verde. Ainda em 2017, o país criou a Política
Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg).
Segundo
Fabíola, o MMA tem se dedicado a entender qual o desafio que o país tem até
2030, prazo limite para cumprimento das metas. “Estamos trabalhando primeiro
para atualizar os custos da restauração para os dias de hoje e fazer uma
precificação por tipo de território: se são áreas privadas, áreas públicas,
modelos de restauração e localizar cada situação nos biomas”, explica.
Estratégias
De
acordo com a diretora, entre as estratégias possíveis para que cada bioma
receba de volta a parcela mínima necessária para a sua manutenção, é preciso
entender fatores como as condições atuais da área desmatada ou degradada, se há
possibilidade de regeneração natural, se há pessoas que dependem da área para
subsistência e também se ainda é possível reestabelecer os serviços
ecossistêmicos como eram antes.
Neste
sentido, há três caminhos possíveis: a regeneração natural, que pode ser assistida
ou não; o plantio em área total, que é a solução mais indicada para Unidades de
Conservação, mas também a de maior custo; e os sistemas agroflorestais, que
consideram a necessidade de subsistência da população que vive na área em
questão. Nesse último caso, podem ser adotados modelos como a silvicultura de
espécies nativas, o sistema agroflorestal (SAF) e sistema integração
lavoura-pecuária-floresta (ILPF).
Regeneração
Para
Fabíola, uma boa notícia é que um estudo em conjunto com o Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais (Inpe) conseguiu mapear quase 30 milhões de hectares de
vegetação secundária no território brasileiro. “Se protegida, a gente pode
aplicar a modalidade de regeneração natural, que é de baixo custo, e só aí se
consegue garantir grande parte dessa meta”, preconiza.
Outra
estratégia do governo é tornar a recuperação de vegetação nativa um modelo de
negócio para o país. Um exemplo é o trabalho desenvolvido pela empresa de
madeira sustentável em que Alan Batista é diretor financeiro, no sul da Bahia.
Segundo o executivo, a região foi escolhida em 2008 para dar início ao negócio,
exatamente por fazer parte do bioma Mata Atlântica, que é o mais desmatado no
Brasil. “Aqui que começou a degradação no país, então aqui que a gente queria
começar a restauração desse bioma”, observa.
Com
a aquisição de três áreas desmatadas pela pecuária extensiva, com baixo
potencial agrícola, a empresa desenvolveu um negócio vantajoso para o meio
ambiente e também rentável, a partir do investimento na recuperação da
vegetação nativa para manejo florestal. Com a floresta replantada, o lucro veio
pela venda de madeira de reflorestamento e também do comércio de tecnologia e
sementes e mudas melhoradas geneticamente.
A
silvicultura para o manejo ocorre em uma área 800 hectares, dentro das propriedades
que somam 1,4 mil hectares. Segundo Alan, o restante tem áreas de conservação,
que, em parte, resultam de restauração somada às áreas adquiridas para serem
mantidas livres de ação humana. “A empresa deixa livre de caça, de pesca, cuida
para que não haja incêndio, com brigada treinada e manutenção de infraestrutura
para prevenção de incêndio”, diz.
A
pesquisa “Reflorestamento com espécies nativas: estudo de casos, viabilidade
econômica e benefícios ambientais”, publicada em 2021 pelo World Resources Institute
(WRI) Brasil, analisou 40 arranjos produtivos envolvendo reflorestamento,
restauração ou conservação de 30 diferentes organizações. A partir do estudo,
concluiu-se que a taxa de retorno de investimentos para esse modelo de negócio
fica entre 9,5% e 28,4%, a depender do arranjo.
De
acordo com o especialista do instituto de pesquisa. Miguel Calmon, além dos
serviços ecossistêmicos como a própria captação do gás carbônico da atmosfera,
as florestas recuperadas também auxiliam na produção alimentar. “Já se abe que
esse modelo de negócio baseado no plantio de árvores também aumenta a
resiliência do sistema produtivo às mudanças climáticas. Cada ano que passa,
nós temos mais eventos extremos como seca, altas temperaturas e enxurradas e já
sabemos que sistemas com árvores são mais resilientes a esses eventos extremos,
ou seja, é um modelo ganha-ganha.”
Fomento
De
acordo com Fabíola Zerbini, além de rever o cenário da recuperação florestal no
Brasil, o MMA tem articulado formas para fomentar a regularização ambiental.
“Temos
articulado com parceiros, em especial o BNDES, linhas de financiamento e linhas
de crédito, como o Restaura Amazônia, que é dinheiro do Fundo Amazônia, que vai
direcionar R$ 450 milhões para projetos de recuperação da vegetação nativa na
Amazônia. Para além disso, a gente também combinou com o Fundo Clima mais R$
550 milhões”, explica.
Para
a diretora, iniciativas de fomento e a atualização da Política Nacional de
Recuperação da Vegetação Nativa, prevista para ser lançada em junho, combinadas
com as políticas públicas, serão capazes de destravar a agenda ambiental.
“A
ideia é combinar a articulação com estados, municípios e produtores para a
regularização ambiental, como editais e financiamentos, além de programas
vinculados a melhores condições de taxas para produtores regulares, somados à
estruturação do poder público para a validação dessa documentação” finaliza.
*Via Sul21