domingo, 4 de setembro de 2016

Antipetismo: doença infantil do golpismo



Por Eduardo Silveira de Menezes*
Não é fácil dialogar com alguém que, direta ou indiretamente, apoiou o golpe parlamentar arquitetado contra a presidenta Dilma Rousseff (PT). Sim, meu amigo, PRESIDENTA! Caso você seja um daqueles pedantes bajuladores de quem, supostamente, “faz uso correto da mesóclise”, mas não consegue compreender uma das regras mais antigas da língua portuguesa, “falar-lhe-ei” algo que independe da sua opinião: as duas formas – “a presidente” ou “a presidenta” – estão corretas. Evite passar vergonha. Ao tentar legitimar essa verdadeira farsa política que sustentou o impeachment, não faça como a ministra Cármen Lúcia – “amante da língua portuguesa” –, que, ao ser eleita para presidir o Supremo Tribunal Federal (STF), quis ridicularizar o uso da expressão e só conseguiu ridicularizar a si mesma.
Quem se diz favorável ao golpe parlamentar – ou o aceita implicitamente – age de forma muito semelhante à magistrada. Enche a boca para falar em “corrupção”, “crime de responsabilidade”, “maquiagem das contas públicas”, mas não faz a menor ideia do que está dizendo. Nunca se deu ao trabalho de procurar entender quais são, de fato, as reais motivações para o impedimento de uma mulher sob a qual não pesam acusações graves como as que recaem sobre seus algozes. Dizem ser “amantes da República (coisa pública)” –, mas, na prática, servem apenas aos interesses privados dos parlamentares que a julgaram, os quais, em sua maioria, são acusados de aumentarem seus patrimônios de forma desonesta.
Não há nenhuma legitimidade nesse processo. Mesmo o mais ferrenho antipetista sabe – ou, ao menos, suspeita – disso. Nas duas casas, a maioria dos parlamentares – “contrários” ou “favoráveis” ao impeachment – responde a processos na Justiça. Acusados de lavagem de dinheiro, peculato, estelionato, corrupção passiva e outros crimes não menos graves, deputados e senadores contaram com o respaldo de uma classe média idiotizada pela grande mídia e pelo Facebook para tentar validar seus discursos. A ação protocolada pelos advogados Hélio Bicudo, Miguel Reale Junior e Janaína Paschoal não foi aceita para “acabar com a corrupção”. Muito pelo contrário. Sua aceitação se deve ao interesse de Eduardo Cunha (PMDB) no afastamento de Dilma. A condenação da presidenta ocorreu, justamente, por ela ter tomado uma atitude honesta. Em meio a tantas alianças ilegítimas, teve coragem de recusar-se a compactuar com Cunha para livrá-lo da cassação no Conselho de Ética.
A memória curta – e seletiva – de boa parte da classe média brasileira não permite lembrar o esclarecedor diálogo travado entre o ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, e o ex-ministro do Planejamento, Romero Jucá (PMDB). O conteúdo da conversa é uma explicação didática sobre as encenações grotescas protagonizadas no Congresso Nacional. Ex-líder dos governos FHC, Lula e Dilma, o peemedebista conhece muito bem os meandros do golpe parlamentar. Jucá não apenas afirmou que só teria condições de parar as investigações da Operação Lava Jato “sem ela” [Dilma], na presidência, como também deixou claro que Michel Temer e Eduardo Cunha agem motivados pelos mesmos interesses.
Ao contrário de Dilma, o ex-presidente da Câmara dos Deputados é réu na Operação Lava Jato. Está sendo acusado de enriquecer de forma ilícita em decorrência do uso de seu mandato. Contra Dilma não pesa nenhuma denúncia semelhante. Mas isso pouco importa para os que não conseguem fazer mais do que “incriminá-la” por cometer erros de oratória. A infantilização do debate político, originada pelo antipetismo, é um dos fatores determinantes do golpe de 2016. Sem uma parcela significativa de analfabetos funcionais e políticos não seria possível levar adiante esse golpe patético. Aliás, quem assim o definiu foi o ex-ministro Joaquim Barbosa – antigo “herói” de uma direita traiçoeira.
A verdade é que a esmagadora maioria da população desconhece, ou não sabe explicar, os motivos do impeachment. Isso porque não há consenso jurídico em relação ao julgamento. Questiona-se, por exemplo, a afirmação de que os atrasos no pagamento das parcelas referentes aos subsídios do Plano Safra – as chamadas “pedaladas fiscais” –, representariam operações de crédito. O próprio Ministério Público Federal (MPF) não referendou a interpretação dos golpistas. Antes da mudança de jurisprudência do Tribunal de Contas da União (TCU), no final de 2015, esse procedimento não era considerado crime contra a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Os senadores – na condição de “juízes” – não levaram em conta as contradições que estiveram presentes do início ao fim desse processo. Agiram, evidentemente, em causa própria. Ao deixarem de cassar os direitos políticos de Dilma, no entanto, acabaram admitindo, implicitamente, que não houve crime. De forma mais clara, o senador Acir Gurgacz (PDT), que votou favorável ao impeachment, afirmou categoricamente: “nós temos a convicção de que não há crime de responsabilidade fiscal nesse processo, mas falta governabilidade”. Certamente o golpe parlamentar não teria se consolidado sem uma ruptura estratégica nessa política de alianças espúria levada a cabo pelo PT. Em meio a uma correlação de forças em que, para “manter a governabilidade”, alguns acreditam que vale tudo, Dilma foi condenada por ser honesta. Sua atitude honrosa, infelizmente, parece não ter servido de exemplo para a direção do partido, que liberou alianças municipais com as mesmas legendas que apoiaram o impeachment.
A aversão ao PT não se dá pelo que, de fato, o partido representou durante mais de uma década de governo – estando ao lado das elites agrária e industrial –, mas sim pelos poucos compromissos históricos cumpridos. A redução da pobreza extrema, a distribuição de bolsas estudantis para um público que não tinha acesso ao ensino superior, as políticas sociais e de transferência de renda insuflaram uma classe média egoísta e preconceituosa a projetar suas frustrações em uma mulher. Quem foi às urnas para eleger a chapa Dilma/Temer aceitou tal “coalizão de forças” motivado por um plano de governo hegemonizado pelo PT. Utilizar esses votos para colocar em prática um projeto político derrotado nas urnas é um atentado não só à democracia, mas à inteligência da população brasileira.
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*Eduardo Silveira de Menezes é jornalista e doutorando em Letras pela Universidade Católica de Pelotas (UCPel). E-mail: dudumenezes@gmail.com.
Fonte: Sul21  -- Edição final deste Blog

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