Por Jeferson
Miola**
A
prisão dos mandantes do assassinato de Marielle Franco, que resultou na morte
também do seu motorista Ânderson Gomes, não esclarece [1] qual motivação e
interesse por trás do crime, e, tampouco, [2] quem são os mentores desta
bárbara execução política.
O
esclarecimento parcial dos fatos só andou efetivamente até aqui depois que a PF
assumiu a investigação do crime, em fevereiro de 2023, por decisão do então
ministro da Justiça Flávio Dino.
A
elucidação do crime não avançou durante os nove meses do governo Temer, de
abril a dezembro de 2018, e nos quatro anos de governo militar com Bolsonaro,
de 2019 a 2022, devido a interferências e manipulações políticas.
A
revelação de Ronnie Lessa sobre a identidade de seus supostos
contratantes/mandantes não preenche todas as lacunas deste crime complexo e
executado com níveis sofisticados de planejamento, inteligência e articulação
política, policial e institucional.
O
caso é um enredo cinematográfico com muitas tramas. Teve agente infiltrado no
PSOL, falsos testemunhos, sabotagens, obstrução das investigações, destruição
de provas. Houve também assassinatos de testemunhas e afastamentos de
autoridades policiais e do MP.
Apesar
de a PF declarar o caso encerrado com a prisão de Domingos e Chiquinho Brazão e
de Rivaldo Barbosa, vários aspectos nebulosos cobram a continuidade e o
aprofundamento das investigações.
Muitos
aspectos ainda precisam ser esclarecidos, por isso a investigação não pode ser
encerrada.
Ainda
é preciso apurar, por exemplo, as conexões do clã Bolsonaro, em cujo condomínio
Vivendas da Barra Ronnie Lessa também vivia e cujos filhos das famílias
namoravam.
Também
está pendente de apuração o papel desempenhado no processo pelos generais Braga
Netto, interventor federal no Rio, e Richard Nunes, secretário de Segurança
Pública, ambos designados pelo general Villas Bôas, então comandante do
Exército, e nomeados por Temer.
A
intervenção no Rio em 2018 por meio de uma operação de GLO foi uma providência
da cúpula do Exército no contexto da eleição presidencial daquele ano. A
intervenção era um evento essencial à estratégia militar para disputar a
eleição com Bolsonaro, alguém historicamente vinculado às milícias.
Neste
sentido, ganha atualidade o agradecimento de Bolsonaro ao general Villas Bôas,
então comandante do Exército: “General Villas Boas, o que já conversamos
morrerá entre nós. O senhor é um dos responsáveis por eu estar aqui”, ele
declarou.
Em
reportagem de abril de 2020, o repórter policial Humberto Trezzi descreveu que
“o Exército conseguiu usufruir dos bancos de dados das polícias Civil e Militar
fluminenses e também montou um mapa das ações criminais no Rio”. E complementou
que “Braga Netto ganhou dos amigos a reputação de ter o CPF, nome e endereço de
cada miliciano no Rio”.
Chama
atenção, por isso, que o inquérito não tenha extraído maiores consequências do
fato de que, na véspera do assassinato de Marielle, o general Richard Nunes
tenha nomeado Rivaldo Barbosa para a chefia da Polícia Civil contrariando
objeções da Subsecretaria de Inteligência, que alertou sobre o envolvimento de
Rivaldo com milícias.
O
jornalista Lauro Jardim relata que o delegado da PF Fábio Galvão, na época o
subsecretário de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública que alertou
sobre os vínculos de Rivaldo Barbosa com as milícias, foi demitido pelo general
Braga Netto cinco meses depois. Circula a informação de que a ordem para bancar
Rivaldo Barbosa para controlar e manipular a investigação veio de um escalão
acima do próprio Braga Netto.
Também
chama atenção no inquérito a ausência de apuração do episódio ocorrido da tarde
de 14 de março de 2018, em que o porteiro do Vivendas da Barra foi autorizado
telefonicamente por Bolsonaro a permitir a entrada de Élcio Queiroz no
condomínio para se encontrar com Ronnie Lessa. Por que Élcio se comunicaria com
a casa de Bolsonaro se em tese se dirigia à casa de Lessa?
Outra
omissão do inquérito é a contradição de Carlos Bolsonaro, que mentiu estar
presente em sessão da Câmara de Vereadores naquela mesma tarde de 14 de março,
quando na realidade estava no Vivendas da Barra no mesmo momento em que Ronnie
Lessa e Élcio Queiroz ultimavam os preparativos para a execução do assassinato.
Carlos reuniu com os assassinos?
Estranhamente,
Carlos e Jair Bolsonaro, sempre muito comunicativos nas redes sociais, não
fizeram nenhuma postagem na plataforma X, ex-twitter, sobre as prisões
ocorridas neste domingo, 24/3.
A
prisão dos supostos mandantes do assassinato da Marielle avança um passo
importante na elucidação do crime, mas ainda é fundamental prosseguir até a
apuração completa, para se chegar aos seus mentores, e se esclarecer os motivos
e interesses por trás dele.
*Ilustração: Aroeira
**Fonte: https://jefersonmiola.wordpress.com/